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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma Breve Abordagem sobre as Religiões de Matriz Africana

De forma genérica, são conhecidas por religiões de matriz africana ou afro-brasileiras, as religiões que possuem em sua constituição sincrética, seja esta doutrinária, teológica ou mitológica, uma preponderância das cosmogonias[1] do continente africano. No Brasil, as mais conhecidas são o(s) Candomblé(s) e a Umbanda. Estas religiões, de acordo com Vagner da Silva (2007, p. 12) abrangem inúmeras comunidades que diferem entre si, de acordo com as combinações e influências das matrizes: o catolicismo popular brasileiro, as religiões indígenas brasileiras e as religiões africanas.

As práticas religiosas populares (catolicismo popular, indígenas e africanas), eram vivenciadas por populações discriminadas na sociedade colonial (mestiços, índios, negro e seus descendentes e pobres em geral), por esse motivo, na documentação da época, que discorreu sobre as religiões afro-brasileiras, constatou-se uma abordagem pejorativa e associativa às práticas demoníacas, em virtude dos interesses dominantes, que tinham como objetivo combater essas religiões em benefício da supremacia da religião oficial   da colônia (catolicismo romano importado de Portugal).

As religiões afro-brasileiras apresentam-se como comunidades religiosas organizadas na sociedade, plenamente autônomas em relação às demais, com liturgia independente não havendo, consequentemente, autoridades superiores sobre os terreiros. Segundo Vagner Silva (2007, p. 30), há várias expressões usadas para identificar o lugar de culto dessas comunidades religiosas: “Os templos de candomblé são genericamente conhecidos por ‘terreiros’, ‘roça’, ‘casa de santo’ ou pelos termos de origem ioruba: ‘ilê’ (casa), ‘abassá’ (salão), ‘axé’ (força) ou ‘egbé’ (comunidade)”.

Os terreiros constituem-se nos espaços sagrados [2]para os candomblés, onde são realizados os ritos[3], fundamentados nos mitos[4] africanos. Nessas casas-de-santo, além dos ensinamentos religiosos, são transmitidos aos seus frequentadores e fiéis, toda uma memória étnico-cultural identitária africana.

Vale ressaltar, que toda a transmissão de conhecimentos é feita através da tradição oral[5], no entanto, os segredos ou mistérios[6] são transmitidos, somente, aos iniciados na religião, em consequência, as religiões de matriz africana não apresentam-se como religiões de conversão,ou seja, que têm a finalidade de convencimento e conversão dos indivíduos às suas doutrinas estabelecidas como verdades, desta forma, os terreiros mantêm-se independentes entre si, quanto às doutrinas, não tendo a necessidade de fazer prosélitos (novos convertidos). (SILVA, 2007, p. 12).

Pautando-se na expressão fenomenológica, essas religiões, são caracterizadas como religiões de transe (êxtase religioso), uma vez que ocorre a hierofania[7], através de possessão ou incorporação. Fazendo parte do conjunto das expressões religiosas, têm-se os ritos sacrificiais[8] com animais, vegetais e minerais, a fim de realizar culto à entidades espirituais ou às representações das forças da natureza.

Todas essas teologias são originárias de uma cosmovisão (mitologias, cosmogonias, filosofias, liturgias, tipo de organização social, etc.) africana ou indígena, possuidoras de valores diferentes da concepção judaico-cristã, dominante na sociedade brasileira, desde o período do Brasil colonial. Certamente, pelo fato das sociedades africanas viverem outro sistema de valores, diferente dos valores da sociedade colonial européia, elaborou-se um conceito pejorativo a cerca das religiões africanas e por com seguinte das religiões afro-brasileiras:

Somado ao desconhecimento sobre seu funcionamento e valores, elas acabam sendo vítimas de certos estereótipos como ‘magia negra’ (por apresentarem geralmente uma ética que não se baseia na visão dualística do bem e do mal estabelecida pelas religiões cristãs), superstições de ‘gente ignorante’, ‘cultos diabólicos’, etc. (SILVA, 2007, p. 14, grifo nosso).

O modo de ver o mundo, influencia significativamente nas práticas sociais de um grupo, portanto, os fundamentos mitológicos africanos (mitos), associados a outros significativos do fenômeno religioso (as manifestações do sagrado), complementam o entendimento da memória simbólica desses grupos sociais escravizados e de seus descendentes, aqui no Brasil, ditando práticas sociais diferentes das encontradas aqui, imposta pelo colonizador (mitologia e cosmovisão judaico-cristã). A este respeito, José Severino Croatto, afirma que:
Uma vez definido o mito, consideradas suas relações com o símbolo e estabelecida sua dupla tipologia (‘geográfica’ e funcional), é preciso avançar para compreender as múltiplas implicações que tem no campo das práticas sociais e, em conseqüência, na própria cosmovisão de um determinado grupo. (2001, p. 271).

Há uma questão essencial que liga os candomblés da Bahia às culturas africanas: a relação de resgate, sobrevivência e manutenção das identidades étnico-culturais das populações africanas e seus descendentes. Segundo Maria Joaquim, além da questão de identidade, os candomblés também tiveram seu papel como aglutinadores e organizadores sociais:

O candomblé tem um papel importante no ressurgimento da cultura afro-brasileira na Bahia, porque manteve o negro unido, como associação. As pessoas no terreiro ficavam juntas, as velhas africanas tinham oportunidade de falar sobre os ascendentes, refletiam e resgatavam suas identidades. O candomblé contribuiu na ligação do negro com a cultura africana. (Mãe Cléo apud JOAQUIM, 2001, p. 30, grifo nosso).


No estudo sobre construção de identidade negra no Brasil, identifica-se em Salvador, uma outra característica dos candomblés, neste caso, especificamente os candomblés de matriz nagô[9]: a concentração do poder religioso nas mãos das mulheres, ou seja, as mulheres detém o poder espiritual na maioria dos terreiros nagôs, sendo portando, as agentes principais de resgate, manutenção e transmissão das identidades culturais e religiosas africanas, de acordo com as conclusões da pesquisa de Maria Joaquim, quando afirma:

O lugar onde os negros da Bahia realizavam as suas festas religiosas era chamado terreiro, roça, aldeia, casa ou Axé. Os candomblés situavam-se no meio do mato ou nos arrabaldes e subúrbios mais afastados da cidade. Em geral, eram localizados em sítios de difícil acesso, como Casa Branca,, Tumba Junsara, Oxumarê e Gantóis, na Avenida Vasco da Gama no Engenho Velho; Axé Opô Afonjá, Bate Folha e Cacunda de Iyá Iyá, na Mata Escura ou Cabula; Alaketo e Maroketo no Bairro de Brotas.
É interessante constatar que os principais terreiros de candomblé Nagô são dirigidos por mulheres e os de origem Bantu, por homens. (2001, p. 31, grifo nosso)


Concluindo, as denominadas religiões de matrizes africanas ou afro-brasileiras, tratadas neste trabalho localizam-se em vários pontos do Brasil e possuem suas construções teológicas com forte fundamentação na tradição oral (não se baseiam em livros sagrados) herdadas das religiões autóctones africanas, além de influências das religiões das sociedades indígenas brasileiras, do catolicismo popular, e do espiritismo kardecista (no caso da Umbanda).

As religiões afro-brasileiras apresentando-se através de distintas formas litúrgicas (língua, ritos, mitos, símbolos, etc.), uma vez que receberam fundamentos de diferentes sociedades do continente africano e americano, distinguindo-se entre si, quanto à mitologia, à língua e à cosmogonia, constituindo-se equívoco conceitual o fato das religiões afro-brasileiras serem apresentadas como uma religião única, desprezando-se a diversidade cultural, linguística, mitológica e cosmogônica africana, indígena e européia.

Coexistindo e conciliando-se a essa constituição sincrética de diferentes religiões e culturas, existem algumas concepções originárias do continente africano que são comuns a todas as sociedades antigas e autóctones, que ainda estão presentes na memória dessas sociedades e de seus descendentes aqui no Brasil. Tais concepções são consolidadas na expressão africanidade, que será discorrido a seguir.



[1] Originário do grego Kosmognia: criação do mundo) Teoria sobre a origem do *universo, geralmente fundada em *lendas ou em *mitos e ligada a uma metafísica. Em sua origem, designa toda a explicação da formação do universo e dos objetos celestes. Atualmente, designa as explicações de caráter mítico. 
[2] Os espaços sagrados são compreendidos pelo homem religioso como em oposição ao espaço profano. Os espaços sagrados são compreendidos como reproduções dos arquétipos celestes ou divinos.
[3] Os ritos compreendem uma da linguagem religiosa, expressando a repetição das ações do sagrado nos tempos primordiais, ou seja, uma imitação do que fizeram os deuses. É através dos ritos que o homem religioso entra em comunhão com o sagrado. O rito faz o que o mito diz.
[4] Os mitos são relatos de acontecimentos primordiais em tempos sagrados, narrando a ação dos deuses e dando sentido a uma realidade. Nos mitos os atores principais são os deuses.
[5] A tradição oral ou oralidade é a forma de transmissão de conhecimentos históricos, sagrados, mitológicos através da palavra falada, não se baseando na escrita.
[6] Mistério é algo sagrado, secreto de significado ou causa escondida.
[7] É a manifestação do sagrado, da divindade, uma vez que, o ser humano só toma conhecimento do sagrado, porque ele se manifesta de forma diferente do profano.
[8] É o tipo de rito onde realiza-se um sacrifício, ou seja, fazer que alguma coisa seja sagrada; refer-se também a uma oferenda à divindade, ou seja, algo é consagrado a um deus.
[9] Grupo étnolinguístico originário da região de Keto na Nigéria, compondo o grupo dos povos de língua iorubá, onde têm presença marcante na cidade do salvador, a partir do século XIX.

2 comentários:

  1. Aranauan, Saravá, Motumbá, Kolofé, Mucuiú, Salve, Axé!

    Levamos ao conhecimento de toda a coletividade planetária e em especial aos umbandistas e adeptos das demais tradições de matrizes afro-ameríndio-brasileiras, a realização do III Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI, que acontecerá nas dependências da FTU (Faculdade de Teologia Umbandista), localizada na Av. Santa Catarina, 400 - São Paulo/SP.

    O tema deste ano é: "As Religiões Afro-Brasileiras: Aproximando os Saberes."

    Dando continuidade aos congressos realizados pela Faculdade de Teologia Umbandista, apresentamos a terceira edição deste Evento. Nosso encontro vem se notabilizando como um momento importante de discussão e atualização de temas pertinentes, reunindo pesquisadores, docentes e discentes interessados na divulgação do seu trabalho e na participação no diálogo científico que o Evento possibilita. A temática deste Encontro abre-se à discussão da diversidade de enfoques teóricos e de experiências empíricas que, temos a certeza, muito vai contribuir para a nossa vivência acadêmica e prática religiosa. Isso se faz considerando-se que a Umbanda é resultado de uma síntese transformadora, que busca integrar diferentes abordagens e vivências para compreensão da sacralidade do homem.

    Para obter mais informações, acessar http://www.ftu.edu.br/congresso2010/index.html ou telefonar para (55 11) 5031-8852.

    Há também a possibilidade de escrever para o seguinte endereço eletrônico: congresso@ftu.edu.br.

    Rodrigo Bueno
    Assessor de Comunicação
    congresso@ftu.edu.br

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  2. Meus amigos irmãos, passei pela net visitando vários blogs, e passei pelo seu lindo e excelente blog, não li muito mas o suficiente para ver que pelas suas palavras aqui expressas, é um ser que ama o mesmo Deus, e que deseja servi-lo e honra-lo, e isso para mim é mais que motivo de alegria. Quero deixar-lhe um convite: Mas faça-o só se desejar, se não estiver interessado pode deletar meu comentário que não fico chateado. Se deseja fazer parte do blog. O Peregrino e servo. Decerto que irei seguir também seu blog, não sou das pessoas que dizem que vão seguir e depois não seguem. Também peço desculpa se por acaso deixar mais do que um comentário. Obrigado pela atenção.
    Antonio Batalha.

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