Por Marcos Monteiro
Anglicanos, metodistas, presbiterianos, congregacionais, batistas, trazem um evangelho protestante para o Brasil católico (por conseguinte não-cristão, segundo raciocínio que ainda hoje persiste), a partir de suas premissas e estruturas, tanto espalhando panfletos contra doutrinas católicas como purgatório, culto à Virgem e devoção aos santos, quanto estabelecendo disputas entre si sobre forma de batismo, batismo de crianças e significado da Ceia, por exemplo. Um conceito de verdade como coisa, objeto passível de apropriação (e de manipulação, por assim dizer), subjaz a todo essa febril atividade missionária. Essa verdade está escrita, documentada, indisponível, portanto, para uma população analfabeta que fabricaria uma religiosidade de segunda classe, sob o olhar complacente e conivente de uma igreja que não estaria interessada na salvação da humanidade.
Obviamente, o preconceito contra a religiosidade popular não era privilégio protestante. O catolicismo oficial não olhava com bons olhos as figuras carismáticas de Ibiapina, Conselheiro e do Padre Cícero. Desconfiança, denúncias e punições, marcaram a trajetória desses homens; menos um pouco, talvez, para o Padre Ibiapina, pela sua história de vida e ligação mais forte com figuras institucionais. Mas, o protestantismo era um fruto mais legítimo da modernidade e um racionalismo cada vez mais forte enxugava símbolos, ritos e práticas que parecessem irracionais, buscando sempre na Bíblia a base de sua crítica, ou seja, na palavra escrita.
Igualmente, uma ética ascética, impossível de se harmonizar com uma cultura rica de elementos sensuais, vai inspirar uma ação evangelizadora de confrontação, agora já não somente perante a base doutrinária, mas sobre as vivências cotidianas do povo, especialmente das classes mais simples. Fumo, álcool, jogo, danças, começarão a ser alvo de ataques e sinais de demarcação entre crentes (os protestantes) e descrentes (os católicos).
Atitude diferente, somente para comparar, era a de Antônio Conselheiro, por exemplo. Na utópica Canudos, fuma-se, bebe-se e dança-se com moderação. Intérprete da palavra escrita, Bíblia e especialmente um breviário, Antônio Vicente Mendes Maciel, invectiva, como um bom missionário, contra a imoralidade, o roubo, o assassinato e outras coisas mais, como as famosas “umbigadas”, parte da coreografia da dança do “coco”. Na presença dele, estas nunca aconteciam. Sabiamente, porém, se afastava o suficiente para o povo continuar a dança à sua maneira de costume. Esse seria um dos exemplos, mencionados por Eduardo Hoonaert, sobre a habilidade de “negociador do sagrado” do Antônio Conselheiro. Assim, tradições escritas e vivências orais seriam mais bem relacionadas, e o cristianismo ia encontrando os seus próprios caminhos através dessas diversas mediações.
Diferentemente, manejando a Bíblia como espada que corta todo o mal presente na cultura, o protestantismo vai fazendo de uma contracultura (com forte sotaque de cultura estrangeira) sua arma e seu objetivo máximo. Nos primeiros momentos, leva desvantagem. À medida, porém, que a sua “verdade”, escrita e coisificada, vai sendo implantada, o orgulho do letramento e do ser diferente vai prevalecendo, mesmo quando um pentecostalismo mais latino e extático torna-se o mote de sua criatividade. Hoje, assistimos a um momento difícil de ser analisado. O movimento protestante, incluindo pentecostais e pós-pentecostais, cresceu muito. A relação protestantismo e cultura, mesmo mantendo traços muito fortes de sua fase de implantação, está passando por configurações complexas, muito provavelmente em fase de transição.
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