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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Protestanticidade e Catolicidade

Catolicismo e protestantismo são grandes construções cristãs que se relacionam de modo complexo. Percorrendo lógicas distintas, cada uma encontra o seu significado e sua relevância no espelho da outra. Lembrando que se as relações complexas incluem conjunção, disjunção, implicação, oposição e contradição, em um grande todo, confluência, afastamento e complementaridade marcam modos dialógicos que acontecem em um processo histórico do qual não se avista o final.
Ambos são respostas históricas ao grande movimento de seguimento à estranha figura de Jesus de Nazaré. Posicionando-se em um momento concreto da história da Palestina, dentro da grande configuração do Império Romano, um desconhecido carpinteiro de uma minúscula aldeia, consegue causar um tumulto suficiente para ser julgado, condenado e crucificado, como um revoltoso, subversivo da ordem estabelecida. Seus crimes, de natureza política e religiosa, não estão esclarecidos, até o dia de hoje, Entretanto, uma série de comunidades surgiram depois de sua morte, afirmando a sua ressurreição, espalhando-se por todo o mundo conhecido, envolvendo especialmente pessoas desfavorecidas, proscritas, mas também, pouco a pouco, trabalhadores comuns, intelectuais e mesmos alguns ricos que gozavam de certo prestígio na sociedade.
Essa multiplicidade de comunidades produz uma multiplicidade de procedimentos, ritos, histórias, discursos e interpretações, alimentando uma tradição predominantemente oral, à qual vão se juntando textos de diversas naturezas e diversos pesos. Esse todo não pode ser homogêneo, portanto, perguntando pelos laços e caminhos que lhe dariam certa unidade e universalidade. O princípio que dirige esse movimento centrípeto dentro dessa força de diversificação, essa pergunta pelo comum e universal, pode muito bem ser chamado de “princípio de catolicidade”. As respostas necessárias para essa tendência à diferença e diversidade devem ser entendidas como contingentes e históricas, mas normalmente não é assim que acontece.
O resultado progressivo dessa busca pela unidade foi a uniformização e padronização das comunidades, garantidas por força institucional nem sempre pacífica. Um grande edifício internacional foi construído: um poder religioso que caminhava com o poder político ou como aliado, ou como subordinado que dava ao discurso político a legitimidade teológica, e até como subordinante, transformando o aparato político em braço secular de seus motivos religiosos.
Na direção contrária, fortes movimentos contestatórios promoviam nuances e matizes diversificadas, utilizando-se de um outro princípio que podemos chamar de “princípio de protestanticidade”, apenas para resguardar a palavra “protestante” para as configurações mais institucionais que inevitavelmente viriam a se estabelecer. Se o “princípio de catolicidade” é de natureza centrípeta, o “princípio de protestanticidade” é de natureza centrífuga. Os movimentos de reforma do século XVI e XVII são confluência desse espírito de oposição a uma autoridade institucional, a qual se constituía como força de conformação religiosa, política e ideológica, responsável pela manutenção da configuração social vigente.
Do mesmo modo que um “princípio de catolicidade” terminou se cristalizando em uma instituição católica, de natureza autoritária, o “princípio de protestancidade” petrificou-se em institucionalização, de um modo diferente, mas previsível. Uma diversidade de instituições protestantes, semelhantes e diferentes, foram surgindo desse outro processo que provoca a unidade da igreja na direção de uma fragmentação cada vez maior. Ambas as configurações tendem a um autoritarismo, mesmo que de cunho diferente.
A instituição católica se configura como cone hierárquico, o qual encontra na figura do pontífice o seu vértice unificador. As instituições protestantes se estabelecem enquanto rede complexa, em que diversos sistemas de autoridade tentam se definir. Um movimento ecumênico já se encontra a caminho há mais de um século, tentando encontrar meios de estabelecer plataformas e procedimentos, em que alguma unidade seja possível, ou que a unidade essencial da igreja cristã (seja isso o que for) torne-se sempre mais visível.

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